30 de abril de 2011

Carta aos meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya - Jorge de Sena

Carta aos meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya 

(um dos mais brilhantes textos poéticos de Jorge de Sena)


Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja aquele que eu desejo para vós.
Um simples mundo, onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém de nada haver que não seja simples e natural. Um mundo em que tudo seja permitido, conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer, o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.

E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto o que vos interesse para viver. Tudo é possível, ainda quando lutemos, como devemos lutar, por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, ou mais que qualquer delas uma fiel dedicação à honra de estar vivo.

Um dia sabereis que mais que a humanidade não tem conta o número dos que pensaram assim, amaram o seu semelhante no que ele tinha de único, de insólito, de livre, de diferente, e foram sacrificados, torturados, espancados, e entregues hipocritamente à secular justiça, para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»

Por serem fiéis a um deus, a um pensamento, a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas à fome irrespondível que lhes roía as entranhas, foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.

Às vezes, por serem de uma raça, outras por serem de uma classe, expiaram todos os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência de haver cometido. Mas também aconteceu e acontece que não foram mortos.

Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer, aniquilando mansamente, delicadamente, por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror, foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha há mais de um século e que por violenta e injusta ofendeu o coração de um pintor chamado Goya, que tinha um coração muito grande, cheio de fúria e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.

Apenas um episódio, um episódio breve, nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis) de ferro e de suor e sangue e algum sémen a caminho do mundo que vos sonho. ~

Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la. É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto não é senão essa alegria que vem de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém está menos vivo ou sofre ou morre para que um só de vós resista um pouco mais à morte que é de todos e virá.

Que tudo isto sabereis serenamente, sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença, ardentemente espero. Tanto sangue, tanta dor, tanta angústia, um dia - mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga - não hão-de ser em vão.


Confesso que muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos de opressão e crueldade, hesito por momentos e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam, quem ressuscita esses milhões, quem restitui não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?

Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes aquele instante que não viveram, aquele objecto que não fruíram, aquele gesto de amor, que fariam «amanhã».

E por isso, o mesmo mundo que criemos nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa que não é nossa, que nos é cedida para a guardarmos respeitosamente em memória do sangue que nos corre nas veias, da nossa carne que foi outra, do amor que outros não amaram porque lho roubaram.


JORGE DE SENA


Sugestão de Leitura - Os Peixes Também Sabem Cantar - Halldór Kiljan Laxness





«Os peixes também sabem cantar» é, depois de «Gente independente», um dos livros mais significativos e de sucesso na carreira de Halldór Laxness. Sem dúvida, um dos que melhor explica ao seu leitor a Islândia, descrevendo, através da história de vida do seu jovem protagonista, o momento histórico da passagem da sua misteriosa e mágica sociedade ancestral à modernidade dos nossos dias. O romance, que se situa em inícios do século XX, acompanha a passagem da infância para a vida adulta do jovem Álfgrímur. Abandonado pela mãe em Brekkukot, uma propriedade rural na periferia de Reykjavík - então uma pequena cidade de poucos habitantes e sob o domínio dinamarquês -, a infância de Álfgrímur decorre de forma idílica entre os trabalhos domésticos na quinta, com a avó adoptiva que recita os rímur e as antigas sagas islandesas, a aprendizagem de latim e a audição, à noite, das histórias dos excêntricos habitantes de Brekkukot. Álfgrímur, que sonha um dia tornar-se pescador, tal como o seu avô, vê no entanto todos os seus projectos de futuro serem abalados pelo regresso a casa do Garõar Hólm. Famoso cantor lírico, orgulho da Islândia, a vida de Garõar está porém envolta num misterioso segredo, que caberá a Álfgrímur desvelar, ligando para sempre a sua vida à desta estranha personagem.
Será Garõar a fazer com que Álfgrímur se apaixone pela música, incitando-o a alcançar com o canto da sua voz a «Nota Pura».

29 de abril de 2011

Zeca Afonso - "Maior Que o Pensamento"



Revê um dos excertos mais emotivos deste documentário

“Maior que o Pensamento” é o título de um documentário em três partes acerca da vida e da obra do poeta, músico e intérprete José Afonso, o mais conhecido autor da chamada canção de intervenção portuguesa, movimento do qual se pode aliás dizer que foi fundador e líder (embora de maneira informal). As criações de José Afonso corporizaram para os portugueses, na fase final da ditadura do Estado Novo, a ideia de resistência à opressão e de esperança numa vida melhor, ajudando a mobilizar os cidadãos para um combate pela liberdade que essas mesmas canções viriam a simbolizar após a queda do regime e ao longo de todo o atual período democrático. Não por acaso, uma canção de José Afonso, “Grândola, vila morena”, foi escolhida como senha radiofónica para os militares revoltosos desencadearem, na madrugada de 25 de abril de 1974, as operações que puseram termo a quase meio século de despotismo. O documentário recolhe muitas dezenas de testemunhos de pessoas que conheceram José Afonso e com ele colaboraram, desde familiares e amigos a músicos de várias nacionalidades. Imagens de atuações de José Afonso (algumas inéditas em Portugal, como na Alemanha em 1963) completam este exaustivo trabalho sobre um criador que suplantou em muito a estrita esfera do seu posicionamento ideológico, tornando-se num dos mais originais e destacados criadores do seu país no século XX. Ao longo do documentário, podem ser ouvidas algumas das mais significativas canções da autoria de José Afonso, interpretadas pelo próprio. Entre os intervenientes, contam-se os músicos António Vitorino de Almeida, Benedicto García, Caetano Veloso, Carlos Alberto Moniz, Carlos Correia (“Bóris”), Fausto, Francisco Fanhais, Francisco Naia, Gilberto Gil, Janita Salomé, João Afonso, José Jorge Letria, Júlio Pereira, Luís Cília, Luís Góis, José Mário Branco, José Niza, Luis Pastor, Paco Ibañez, Pi de la Serra, Rui Pato, Sérgio Godinho e Vitorino Salomé e ainda o editor discográfico Arnaldo Trindade e amigos de José Afonso, como o pintor Malangatana, o poeta Eugénio Lisboa, o realizador Luís Filipe Rocha, o dirigente revolucionário Camilo Mortágua, o militar de abril Otelo Saraiva de Carvalho, o jornalista Adelino Gomes e o jornalista e ensaísta alemão Günter Wallraff.

“Maior que o Pensamento”, uma produção Nanook, é um documentário de Joaquim Vieira, com edição de Aníbal Carocinho, direção de produção de Lila Lacerda, consultoria histórica de Irene Flunser Pimentel e consultoria de Maria Helena Afonso dos Santos.

27 de abril de 2011

Manifestação 1º Maio na Nazaré em 1975

Aspecto geral da Manifestação e testemunhos de trabalhadores durante o desfile.
                    
                             
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Operário Marítimo nº3 Maio/Junho de 75 - Arquivo da Biblioteca da Nazaré

Recordar Mário Viegas 15 anos depois


Mário Viegas (1948-1996) é considerado um dos melhores (senão mesmo o melhor) actores portugueses da sua geração. Tendo iniciado a sua carreira aos quinze anos de idade, deixou-nos consideráveis e extraordinários testemunhos do seu amor pela arte, assim como do seu esforço, sem dúvida bem sucedido, para fazer um trabalho de qualidade.

«Mário Viegas era um poeta, um homem que dizia poesia de uma forma admirável. Era um grande actor e encenador e teve sempre uma liberdade de espírito e um poder criativo extraordiário. Quem não se lembra da tão recente e espantosa criação, continuamente renocada, que foi o espectáculo "Europa Não! Portugal !!"? Mário Viegas sempre deu o seu testemunho sobre a vida social e política e, além de criador, foi um home muito inserido no seu tempo, que deixa uma grande obra.» (Dr. Jorge Sampaio, Presidente da República, citado in "A Capital", 1 de Abril de 1996)

No teatro, Mário fundou três Companhias (a última das quais foi a Companhia Teatral do Chiado), interpretou alguns dos mais impotantes papéis teatrais (Hamm, Baal, Krapp, Vladimir, Wang, etc.) e encenou peças de Beckett, Eduardo De Filippo, Bergman, Tchekov, Strindberg, Pirandello e Peter Shaffer, entre outros.

Mário Viegas também trabalhou em cinema, com vários realizados, tendo alguns dos seus maiores sucessos sido "Kilas", "O Mau da Fita", "Sem Sombra de Pecado (realização de Fonseca e Costa), "A Divina Comédia" (Realização de Manoel de Oliveira) e "Afirma Pereira" (Realização de Roberto Faenza), onde contracenou com Marcello Mastroianni.

Na televisão, atingiu grande popularidade, particularmente com duas séries de programas sobre poesia - "Palavras Ditas e Palavras Vivas". Também trabalhou no rádio, principalmente como divulgador de poesia e de teatro. Viegas foi também um colaborador regular do jornal "Diário Económico", para onde escrveu artigos humorísticos e sobre teatro.

Mário Viegas, um «homem da palavra e de palavra» (Frei Bento Domingues, citado in "Público", 3 de Abril de 1996), ficou também extremamente conhecido pelos seus excelentes recitais de poesia: amante da poesia, ele gravou cerca de duzentos poemas em catorze discos, onde podemos ouvir dizer Luís Vaz de Camões, Cesário Verde, Camilo Pessanha, Almada Negreiros, Fernando Pessoa, Jorge de Sena, Alexandre O´Neil, Ruy Belo, Eugénio de Andrade, Brecht, A. Ginsberg, Pablo Neruda, etc.. Tendo assumido a responsabilidade de divulgar poetas e humoristas (tais como Mário-Henrique Leiria, Luiz Pacheco, Pedro Oom, etc.), tanto portugueses como estrangeiros, Mário Viegas viajou por todo o mundo, dando espectáculos em Moçambique, Macau, Brasil, Espanha, Bélgica, Holanda, etc..

Mário Viegas recebeu dois prémio pela Casa da Imprensa; quatro prémios pela Associação Portuguesa de Críticos de Teatro; o Prémio Garrett 1987 para melhor actor do ano, pela Secretaria de Estado da Cultura; dúzias de prémios de prestígio e de popularidade pela imprensa; Prémio de Honra no Festival de Teatro de Sitges (Espanha, 1979), pela sua interpretação na peça "D. João VI"; e o Prémio para Melhor Actor no Festival Europeu de Cinema Humorístico da Coronha (1978), pelas susa interpretações no filme "O Rei das Berlengas", realizado por Artur Semedo. Em 1993, a Câmara Municipal de Santarém atribuiu-lhe a Medalha de Mérito da cidade pela sua carreira e, em 1994, o então Presidente da República Portuguesa, Dr. Mário Soares, ordenou-o Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Mário Viegas foi também um homem preocupado com a política e com o estado geral de coisas do seu país. Participou nas eleições legislativas de 1995, como candidato independente pela U.D.P., a sua palavra de ordem sendo "uma política sem máscaras". No mesmo ano, anunciou a sua candidatura oficial à Presidência da República, com o slogan "O Sonho ao Poder!!".

Um «mestre da arte da comédia» (Marina Ramos, Público, 3 de Abril de 1996), um «grande artista e homem da cultura» (Almeida Santos, in "Público", 3 de Abril de 1996).

Mário Viegas é e será recordado pelo «seu exemplo de homem livre e insubmisso, o seu amor à cultura, à poesia, ao teatro e ao cinema, a qualidade e a inteligência do seu humor» (Dr. Jorge Sampaio, Presidente da República, citado in "Semanário, 4 de Abril de 1996). «Impetuoso, rebelde com o gosto da provocação, se alguém fosse redutível a palavra, excesso seria talvez a mais adequada a uma tentativa de definir Mário Viegas» (Elisabete França, "Diário de Notícias, 2 de Abril de 1996).

26 de abril de 2011

Dois Poemas de Ruy Belo



Mesmo que não conheças

Mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar
caminha para o mar pelo verão



Ver-te é como ter à minha frente todo o tempo

Ver-te é como ter à minha frente todo o tempo
é tudo serem para mim estradas largas
estradas onde passa o sol poente
é o tempo parar e eu próprio duvidar mas sem pensar
se o tempo existe se existiu alguma vez
e nem mesmo meço a devastação do meu passado


Biografia
1933 - 1978 


Poeta e ensaísta português, natural de São João da Ribeira, Rio Maior. Licenciado em Filologia Românica e em Direito pela Universidade de Lisboa, obteve o grau de doutor em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana de Roma, com uma tese intitulada «Ficção Literária e Censura Eclesiástica». Exerceu, ainda que brevemente, um cargo de director-adjunto no então ministério da Educação Nacional, mas o seu relacionamento com opositores ao regime da época, a participação na greve académica de 1962 e a sua candidatura a deputado, em 1969, pelas listas da Comissão Eleitural de Unidade Democrática, levaram a que as suas actividades fossem vigiadas e condicionadas. Ocupou, ainda, um lugar de leitor de Português na Universidade de Madrid (1971-1977). Regressado, então, a Portugal, foi-lhe recusada a possibilidade de leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, dando aulas na Escola Técnica do Cacém, no ensino nocturno. Em 1991 foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Sant'iago da Espada.
Tendo sido, na sua passagem pela imprensa, director literário da Editorial Aster e chefe de redacção da revista Rumo, os seus primeiros livros de poesia foram Aquele Grande Rio Eufrates (1961) e O Problema da Habitação (1962). Às colectâneas de ensaios Poesia Nova (1961) e Na Senda da Poesia (1969), seguiram-se obras cuja temática se prende ao religioso e ao metafísico, sob a forma de interrogações acerca da existência. É o caso de Boca Bilingue (1966), Homem de Palavras(s) (1969), País Possível (1973, antologia), Transporte no Tempo (1973), A Margem da Alegria (1974), Toda a Terra (1976) e Despeço-me da Terra da Alegria (1977). O versilibrismo dos seus poemas conjuga-se com um domínio das técnicas poéticas tradicionais. A sua obra, organizada em três volumes sob o título Obra Poética de Ruy Belo, em 1981, foi, entretanto, alvo de revisitação crítica, sendo considerada uma das obras cimeiras, apesar da brevidade da vida do poeta, da poesia portuguesa contemporânea.
Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade deste século, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Destacou-se ainda pela tradução de autores como Antoine de Saint-Exupéry, Montesquieu, Jorge Luís Borges e Federico García Lorca.
Em 2001, publica-se Todos os Poemas

21 de abril de 2011

Cravos de Abril - Exposição "A Voz das Vítimas"


Durante 37 anos, entre 1928 e 1965, milhares de homens, vítimas da polícia política da ditadura, subiram as escadas do Aljube para recolher aos "curros" do isolamento, às celas colectivas ou à enfermaria. Vinham dos interrogatórios, acabavam de ser presos ou regressavam de uma visita no parlatório.

Muitas vezes, derreados por dias consecutivos de tortura do sono e da "estátua" ou doridos pela violência dos espancamentos, tinham de ser arrastados, escadas acima, pelos carcereiros. Alguns não sobreviveram.

São deles as vozes desta Exposição.
Para honrar a sua memória e o seu sacrifício.

Exposição temporária de caracter documental, estando patente na antiga cadeia do Aljube entre 14 de Abril e 5 de Outubro de 2011. Horários da exposição: de terça-feira a domingo, entre as 10 horas e as 18 horas. Encerra à segunda-feira. Entrada livre Morada: Rua de Augusto Rosa, n.º 40, 1100 Lisboa Visitas guiadas, todas as terças-feiras pelas 15 horas, mediante marcação no local ou pelo e-mail info@aljube.net.

Abril de 2011

Cravos de Abril - Fotografias Manifestação 1º Maio 74 na Nazaré


O 1.º de Maio de 1974 foi a maior manifestação popular do século XX, em Portugal. E não foi só em Lisboa que isso aconteceu. Por todo o País, nas cidades e vilas, «o Povo saiu à rua» para vitoriar a Liberdade conquistada e festejar o Dia Mundial do Trabalhador.

Uma alegria indescritível inundava o rosto dos manifestantes. A negra noite fascista, longa de 48 anos, chegara ao fim. E com ela desapareceriam o medo, a desconfiança, a tristeza.

O momento agora era de festa, de abraços e reencontros, de solidariedade e generosidade.
O comentador da «Rádio Luxemburgo», em emissão directa de Lisboa, afirmava que o espectáculo a que assistira somente se poderia comparar à alegria que reinou em Paris, quando foi libertada dos nazis em 1944.

Arquivo Biblioteca da Nazaré


Arquivo Biblioteca da Nazaré
Arquivo Biblioteca da Nazaré

20 de abril de 2011

Debate "A luta pela Liberdade - A Liberdade em Luta


Dia 23 a "Geração de Abril" toma a palavra... tão importante como recordar as lutas do passado vamos olhar o presente para transformar o futuro. Um debate a que não pode faltar.

19 de abril de 2011

Cartaz para o 25 de Abril na Biblioteca


Dia 23 de Abril 


"A Luta pela Liberdade - A Liberdade em Luta" - Debate no Salão Mar- Alto - 21-30H


Noite de 24 para 25 de Abril


Convívio da Liberdade - Biblioteca da Nazaré - Rua Mouzinho de Albuquerque, 51

Cravos de Abril - O 25 de Abril de José Gomes Ferreira

Manhãzinha cedo, senti acordar-me o sopro da voz ciciada de minha mulher:
- 0 Fafe telefonou de Cascais, ... Lisboa está cercada por tropas…
Refilo, rabugento:
- Hã? (...)
Levanto-me preparado para o pesadelo de ouvir tombar pedras sobre cadáveres. Espreito através da janela. Pouca gente na rua. Apressada. Tento sintonizar a estação da Emissora Nacional. Nem um som. Em compensação o telefone vinga-se desesperadamente. Um polvo de pânico desdobra-se pelos fios. A campainha toca cada vez mais forte.
Agora é o Carlos de Oliveira.
- Está lá? Está lá? É você, Carlos? Que se passa?
Responde-me com uma pergunta qualquer do avesso.
Às oito da manhã o Rádio Clube emite um comunicado ainda pouco claro:
- Aqui, Posto de Comando das Forças Armadas. Não queremos derramar a mínima gota de sangue.
De novo o silêncio. Opressivo. De bocejo. Inútil. A olhar para o aparelho.
Custa-me a compreender que se trate de revolução. Falta-lhe o ruído, (onde acontecerá o espectáculo?), o drama, o grito. Que chatice!
A Rosália chama-me, nervosa:
- Outro comunicado na Rádio. Vem, depressa. Corro e ouço:
- Aqui o Movimento das Forças Armadas que resolveu libertar a Nação das forças que há muito a dominavam. Viva Portugal!
Também pede à policia que não resista. Mas Senhor dos Abismos!, trata-se de um golpe contra o fascismo (isto é: salazismo-caetanismo). São dez e meia e não acredito que os «ultras» não se mexam, não contra-ataquem! (...)
 
A poetisa Maria Amélia Neto telefona-me: «Não resisti e vim para o escritório».
Os revoltosos estão a conferenciar com o ministro do Exército. Na Rádio a canção do Zeca Afonso: Grândola, vila morena ... Terra da fraternidade... 0 povo é quem mais ordena...
Sinto os olhos a desfazerem-se em lágrimas.
De súbito, aliás, a Rádio abre-se em notícias. 0 Marcelo está preso no Quartel do Carmo. A polícia e a Guarda Republicana renderam-se. 0 Tomás está cercado noutro quartel qualquer. E, pela primeira vez, aparece o nome do General Spínola. Novo comunicado das Forças Armadas. 0 Marcelo ter-se-á rendido ao ex-governador da Guiné. (Lembro-me do Salazar: «o poder não pode cair na rua»).
Abro a janela e apetece-me berrar: acabou-se! acabou-se finalmente este tenebroso e ridículo regime de sinistros Conselheiros Acácios de fumo que nos sufocou durante anos e anos de mordaças. Acabou-se. Vai recomeçar tudo.

A Maria Keil telefonou. 0 Chico está doente e sozinho em casa. Chora. (Nesta revolução as lágrimas são as nossas balas. Mas eu vi, eu vi, eu vi! (...)
Antes de morrer, a televisão mostrou-me um dos mais belos momentos humanos da História deste povo, onde os militares fazem revoluções para lhes restituir a liberdade: a saída dos prisioneiros políticos de Caxias.
Espectáculo de viril doçura cívica em que os presos... alguns torturados durante dias e noites sem fim.... não pronunciaram uma palavra de ódio ou de paixões de vingança.
E o telefone toca, toca, toca... Juntámos as vozes na mesma alegria. (...)
Saio de casa. E uma rapariga que não conheço, que nunca vi na vida, agarra-se a mim aos beijos.
Revolução.

José Gomes Ferreira
 Poeta Militante III - Viagem do Século Vinte em mim, Lisboa, Moraes Editores, 1983


BIOGRAFIA

José Gomes Ferreira imortalizou-se no campo da Literatura Portuguesa nas áreas da Poesia e da Prosa. Pertenceu à geração do Novo Cancioneiro, com evidentes influências surrealistas, simbolistas, e sobretudo neo-realistas. A sua voz de protesto contra o mundo desconcertante, opressor, e simultaneamente monótono, do seu tempo, fez dele um "poeta militante" intemporal, trilhando caminhos já muitas vezes trilhados, mas nunca exactamente os mesmos.
A sua mensagem, sempre actual, é a vivência real de um homem e autor com os cinco sentidos despertos para tudo o que o rodeia, colocando o seu individualismo ao serviço da urgência do social. A sua vasta obra reflecte este seu desejo de mudar esse Mundo, o que acredita fazer com o poder da palavra.


Nascido no Porto, José Gomes Ferreira muda-se com quatro anos para Lisboa onde, criado "longe das árvores, no roldão poeirento das cidades"(palavras do autor), se inicia nos poetas saudosistas- e especialmente Raul Brandão- nos liceus de Camões e de Gil Vicente, com o Prof. Leonardo Coimbra. Dirige, muito novo, a revista "Ressurreição", onde chega a colaborar Fernando Pessoa com um soneto. Dedica-se também à música, com composições musicais como o poema sinfónico "Idílio Rústico" (que compõe depois de ouvir a 1ª audição mundial da Sinfonia Clássica de Prokofiev e inspirado num conto de "Os Meus Amores", de Trindade Coelho) executado pela primeira vez pela orquestra de David de Sousa, no Teatro Politeama, o que provocou em Leonardo Coimbra "um largo sorriso incitador".       

Por influência do pai (democrata republicano), cedo ganhou consciência política ( em desafio polémico, por exemplo, queima no café Gelo um retrato de Sidónio Pais, que não muito tempo depois será vítima de um atentado que lhe é fatal), e alista-se em 1919, acabado o treino militar em Tancos e perante a Proclamação da Monarquia do Norte, no Batalhão Académico Republicano (já era também sócio da Liga da Mocidade Republicana).

Licencia-se em Direito em 1924, trabalhando depois como Cônsul na Noruega (Kristiansund). Regressando em 1930, dedica-se ao jornalismo (colaboração na "Presença", "Seara Nova", "Descobrimento", "Imagem" - revista de cinema - "Kino", "Sr.Doutor" - revista infantil, onde começa a publicar periodicamente as "Aventuras de João Sem Medo" -, e "Gazeta Musical e de Todas as Artes") e à tradução de filmes (sob o pseudónimo de Álvaro Gomes).

Inicia-se na poesia com o poema "Viver sempre também cansa", escrito a 8/5/1931, e publicado na "Presença",nº33 (Julho-Outubro), e apesar de já ter publicado anteriormente os livros "Lírios do Monte" (obra que depois renegou) e "Longe" (1ª e 2ª edições em 1918 e 1921, respectivamente), só em 1948 começa a publicação séria do seu trabalho, nomeadamente com "Poesia I" e com a colaboração na "Homenagem Poética a Gomes Leal".

Contando já com vasta obra publicada, em prosa e em verso, ganha em 1961 o "Grande Prémio da Poesia" da Sociedade Portuguesa de Escritores, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, com a sua obra "Poesia III".

Comparece a todos os grandes momentos "democráticos e antifascistas" e, pouco antes do MUD (Movimento Unitário Democrático), colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro".

Presidente da Associação Portuguesa de Escritores em 25/4/78, foi candidato no ano seguinte da APU (Aliança Povo Unido) por Lisboa, nas intercalares desse ano. Em Fevereiro do ano seguinte filia-se no PCP (Partido Comunista Português) e recebe em Junho de 1981 a distinção de cidadão honorário de Odemira. É ainda condecorado pelo Presidente Ramalho Eanes como grande oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada, recebendo mais tarde o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.      

Submetido a uma delicada intervenção cirúrgica em 1983 (ano em que é homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores), José Gomes Ferreira, casado e pai de dois filhos (o arquitecto Raúl Ferreira e o poeta Alexandre Vargas), viria a falecer dois anos depois, vítima de uma prolongada doença que o impossibilitava de se levantar da cama.   

Na memória e no papel fica a sua vasta obra, que marcou todo esse vasto período de quase um século

18 de abril de 2011

Cravos de Abril - Como se viveu o 25 de Abril na Biblioteca da Nazaré

Como se viveu o 25 de Abril 
na Biblioteca da Nazaré
Testemunho de Norberto Vila Verde Isaac*
Nazaré - Manifestação no 1º Maio de 1974 - Arquivo da Biblioteca da Nazaré

Dentro de dias estaremos, uma vez mais, a comemorar o 25 de Abril. Vamos fazê-lo num quadro de grandes sacrifícios que estão a impor ao povo português, pelo que sobram as razões para o fazermos em festa, mas dando um forte sinal da revolta que vai dentro de nós pela situação que nos criaram.
A Biblioteca da Nazaré, não é novidade, tem uma relação de cumplicidade com o 25 de Abril desde a primeira hora. Nenhuma outra colectividade, na Nazaré, se empenhou e envolveu na luta pela concretização dos ideais de Abril com o fez a Biblioteca. Àquela data a sua direcção era formada por gente bastante jovem, unida em torno de um objectivo: lutar no plano da cultura contra o regime opressor de Marcelo Caetano. Com o precipitar do 25 de Abril, essa geração de dirigentes não deu por concluídos os seus objectivos e empenhou-se generosamente na luta pela democratização, no plano cultural, social e político.
No plano cultural, viveram-se tempos de intensa actividade, realizou-se a 1ª feira do livro, realizaram-se espectáculos de canto livre, com a participação de cantores como José Mário Branco; Tino Flores e outros cantores populares. Foram também tempos de dar a conhecer filmes até então proibidos pelo fascismo. Organizaram-se campanhas de alfabetização. Organizaram-se espectáculos de Teatro Popular, etc.
No plano social e político, os dias eram pequenos para tanta intervenção e solicitação. Da Biblioteca se partiu para a organização do 1º de Maio de 1974, porventura a maior manifestação alguma vez realizada na Nazaré. Da Biblioteca surgiu um movimento de intervenção denominado Comissão Democrática da Nazaré – CDN, que dinamizou a luta política pela democratização das diversas instituições do poder local.
Em todas as acções a Biblioteca escolheu sempre um lado, o dos mais desprotegidos e o dos mais ofendidos e perseguidos pelo regime deposto. A coerência destas opções teve contrapartidas diferentes, o respeito de uns e o ódio de outros.
Passados todos estes anos ainda assim é, sinal que o caminho trilhado pelas várias gerações de dirigentes da Biblioteca continua a ser o da coerência. Temos todos consciência que não optámos pelo mais fácil, mas tem sido esta inquietação constante, que a tem mantido, apesar de tudo, com grande vitalidade.  
A Biblioteca da Nazaré, como sempre acontece, irá abrir as suas portas e janelas para que a brisa de Abril possa penetrar e renovar as energias daqueles que por lá passarem, para poderem enfrentar melhor os tempos difíceis que aí estão.

* Dirigente da Biblioteca da Nazaré, encontrava-se preso em 25 de Abril de 1974 na prisão  de Caxias, pelo delito de "actividades políticas" .

15 de abril de 2011

122º Aniversário de Charlie Chaplin


"Eu continuo a ser uma coisa só, apenas uma coisa - um palhaço, o que me coloca em nível bem mais alto que o de qualquer político."
Chaplin, em "Frases da Semana", The Observer, 17-VI-1960



"Mais que de máquinas, precisamos de humanidade."
Discurso final do filme O Grande Ditador


"Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegura o ensejo de trabalho, que dê futuro a juventude e segurança à velhice."
Discurso final do filme O Grande Ditador




Biografia
     Charlie Chaplin nasceu em Londres, em 1889, onde vivia com os seus pais. Após a separação destes, Charlie foi deixado numa escola para crianças órfãs. Pouco depois, o seu pai morre. Em 1928 a sua mãe morre também, depois de passar por um asilo.
     A primeira vez que Charlie Chaplin subiu ao palco foi em 1894, quando tinha apenas 5 anos, no Music Hall, onde trabalhavam os seus pais. Em 1900, quando tinha 11 anos, conseguiu um papel cómico, em que representava um gato, numa peça da Cinderela.
     De acordo com registros de imigração, Chaplin chegou aos Estados Unidos da América em 2 de outubro1912. A actuação de Charlie Chaplin na Companhia de Karno foi vista por Mack Sennett, um produtor de filmes, que o contratou para trabalhar no seu estúdio. Apesar de no início Charles Chaplin ter tido alguns problemas em adaptar-se ao estilo de Mack Sennett, rapidamente se habituou e teve sucesso. Depois de desenvolver a personagem trampolim, foi, aos poucos e poucos, controlando a direcção e criação de filmes, o que o tornou uma estrela no estúdio de Mack Sennet.
     O Grande Ditador, de 1940 foi o seu primeiro filme com som. Foi, também, um insulto, se assim podemos dizer, a Adolf Hitler e aofascismo que se reinava na época. Foi filmado e lançado nos Estados Unidos um ano antes da entrada do país na Guerra. O papel de Charlie Chaplin era duplo: o de Adenoid Hynkel, indirecta ao nome de Hitler, e de um barbeiro judeu que é cruelmente perseguido pelos nazistas. Hitler era um grande fã de filmes, e sabe-se que ele tenha visto o filme duas vezes.
    Charlie Chaplin viajou para a Inglaterra em 1952, mas quando regressou aos EUA foi proibido pelo Serviço de Imigração. Chaplin decidiu então ficar na Europa e foi viver para a Suíça.
     Devido ao seu talento, criatividade e é claro, empenho, Charlie Chaplin é assim reconhecido como um dos maiores génios da sua época.
     Chaplin conseguiu voltar aos Estados Unidos, alguns anos depois, em 1972, para receber um Óscar, pela segunda vez, pois o seu primeiro Óscar foi recebido em 16 de Maio de 1929. Este seu segundo Óscar, chegou 44 anos depois, em 1972, devido ao seu talento mostrado no Mundo do cinema. Chaplin também foi nomeado sem sucesso para Melhor Filme, Melhor Actor, e Melhor Roteiro Original em O Grande Ditador, filme de 1940, e novamente por Melhor Roteiro Original emMonsieur Verdoux, filme de 1947.
     O último filme de Charles Chaplin foi “A Countess from Hong Kong”, em 1967.                                                                                                    
     Ao longo da sua carreira no cinema, Charles Chaplin participou em cerca de 72 curtas-metragens, entre 1914 e 1923. Já as suas longas-metragens, foram perto de 13.

Cravos de Abril - Excerto de entrevista a Zeca Afonso (vídeo)

Para além da música, também as palavras se tornaram intemporais. Uma entrevista... um apelo.





Cravos de Abril - Lutas Sociais na Nazaré (Conserveiras)

Recordar o 25 de Abril é também recordar as inúmeras lutas sociais que eclodiram pelo nosso país...milhares de trabalhadores e demais classes populares ergueram-se como os grandes obreiros do seu tempo e do seu destino colectivo. 

A Nazaré não foi excepção... durante os próximos 16 dias publicaremos neste blogue documentos e testemunhos de um tempo que os poderosos pretendem ver esquecido, anatemizado... um tempo que fez desta colectividade grande parte de tudo aquilo que é hoje, um espaço de liberdade e de defesa da emancipação cultural e social da nossa população...  neste caminho da construção de um mundo sem muros nem ameias, logo mais justo e mais fraterno.

                                      
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Arquivo da Biblioteca da Nazaré - O Operário Marítimo - nº 1 - Março de 1975


14 de abril de 2011

Poemas de Eugénio de Andrade



Procura a maravilha
Eugénio de Andrade


Procura a maravilha. 


Onde um beijo sabe 
a barcos e bruma. 

No brilho redondo 
e jovem dos joelhos. 

Na noite inclinada 
de melancolia. 

Procura. 

Procura a maravilha



Respiro o teu corpo
Eugénio de Andrade
Respiro o teu corpo: sabe a lua-de-água ao amanhecer, sabe a cal molhada, sabe a luz mordida, sabe a brisa nua, ao sangue dos rios, sabe a rosa louca, ao cair da noite sabe a pedra amarga, sabe à minha boca.


Poeta português, nasceu em 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, Fundão, no seio de uma família de camponeses. A sua infância foi passada com a mãe, na sua aldeia natal. Mais tarde, prosseguindo os estudos, foi para Castelo Branco, Lisboa e Coimbra, onde residiu entre 1939 e 1945. Em 1947 entrou para a Inspecção Administrativa dos Serviços Médico-Sociais, em Lisboa. Em 1950 foi transferido para o Porto, onde fixou residência. 

Abandonou a ideia de um curso de Filosofia para se dedicar à poesia e à escrita, actividades pelas quais demonstrou desde cedo profundo interesse, a partir da descoberta de trabalhos de Guerra Junqueiro e António Botto. Camilo Pessanha constituiu outra forte influência do jovem poeta Eugénio de Andrade. 
Embora não se integre em nenhum dos movimentos literários que lhe são contemporâneos, não os ignorou, mostrando-se solidário com as suas propostas teóricas e colaborando nas revistas a eles ligadas, como Cadernos de Poesia; Vértice; Seara Nova; Sísifo; Gazeta Musical e de Todas as Artes; Colóquio, Revista de Artes e Letras; O Tempo e o Modo e Cadernos de Literatura, entre outras. 

A sua poesia caracteriza-se pela importância dada à palavra, quer no seu valor imagético, quer rítmico, sendo a musicalidade um dos aspectos mais marcantes da poética de Eugénio de Andrade, aproximando-a do lirismo primitivo da poesia galego-portuguesa ou, mais recentemente, do simbolismo de Camilo Pessanha. 
O tema central da sua poesia é a figuração do Homem, não apenas do eu individual, integrado num colectivo, com o qual se harmoniza (terra, campo, natureza - lugar de encontro) ou luta (cidade - lugar de opressão, de conflito, de morte, contra os quais se levanta a escrita combativa). 
A figuração do tempo é, assim, igualmente essencial na poesia de Eugénio de Andrade, em que os dois ciclos, o do tempo e o do Homem, são inseparáveis, como o comprova, por exemplo, o paralelismo entre as idades do homem e as estações do ano. A evocação da infância, em que é notória a presença da figura materna e a ligação com os elementos naturais, surge ligada a uma visão eufórica do tempo, sentido sempre, no entanto, retrospectivamente. A essa euforia contrapõe-se o sentimento doloroso provocado pelo envelhecimemto, pela consciência da aproximação da morte (assumido sobretudo a partir de Limiar dos Pássaros), contra o qual só o refúgio na reconstituição do passado feliz ou a assunção do envelhecimento, ou seja, a escrita, surge como superação possível. Ligada à adolescência e à idade madura, a sua poesia caracteriza-se pela presença dos temas do erotismo e da natureza, assumindo-se o autor como o «poeta do corpo». Os seus poemas, geralmente curtos, mas de grande densidade, e aparentemente simples, privilegiam a evocação da energia física, material, a plenitude da vida e dos sentidos. 
Foi galardoado com o Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, atribuído a O Outro Nome da Terra (1988), e com o Prémio de Poesia Jean Malrieu, por Branco no Branco (1984). Recebeu ainda, em 1996, o Prémio Europeu de Poesia. Foi criada, no Porto, uma fundação com o seu nome. 

Autor de uma importante obra poética, podem referir-se os seguintes títulos: Adolescente (1942); As Mãos e os Frutos (1948); Os Amantes sem Dinheiro (1950); As Palavras Interditas (1951); Até Amanhã (1956); Conhecimento da Poesia (1958); O Coração do Dia (1958); Os Afluentes do Silêncio (1968); Obscuro Domínio (1971); Limiar dos Pássaros (1972); Véspera da Água (1973); Memória de Outro Rio (1978); Matéria Solar (1980); O Peso da Sombra (1982); Poesia e Prosa, 1940-1989 (1990), O Sal da Língua (1995), Alentejo (1998), Os Lugares do Lume (1998) e Antologia Pessoal de Poesia Portuguesa (1999). Organizou ainda, várias antologias, como a que dedicou ao Porto (Daqui Houve Nome Portugal, 1968) e a Antologia Breve (1972). Em 2000, publica Poesia. Escreveu também livros para crianças. É um dos poetas portugueses mais traduzidos para outras línguas. 
Em 1982, o Governo português atribuiu-lhe o grau de Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada e a Grã-Cruz da Ordem de Mérito em 1988. Em 1986, recebeu o Prémio da Associação Internacional dos Críticos Literários. Em 1996, recebeu o Prémio Europeu de Poesia da Comunidade de Varchatz (Jugoslávia). 
Em 1999 organizou a obra Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa. 
Em Maio de 2000, recebeu o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores, entregue pelo Presidente da República. O prémio distingue todo o percurso e toda a obra do escritor. Também recebeu, no mesmo ano, o Prémio Extremadura de criação literária e o Prémio Celso Emilio Ferreiro, para autores ibéricos. 
Em Fevereiro de 2001, Eugénio de Andrade recebeu o Prémio Celso Emilio Ferreiro, na Galiza. Em Maio, Eugénio de Andrade foi homenageado no Carrefour des Littératures, em França.Em Julho, foi atribuído ao poeta o Prémio Camões, que se mostrou satisfeito, quer pelo prestígio do galardão, quer por ver o seu nome associado ao de Luís de Camões. 
No mesmo ano publicou Os Sulcos da Sede
Faleceu a 13 de Junho de 2005, no Porto, após uma doença neurológica prolongada.