28 de abril de 2014

Almoço Comemorativo dos 75 Anos


Vem  partilhar este momento histórico com a tua Biblioteca...

"Há pessoas no mundo que podem partilhar essa alegria de procurarem apenas um livro na Biblioteca da Nazaré e term saído de lá com uma vida nas mãos."

Mário Galego

24 de abril de 2014

Cravos de Abril - 40 Anos - Arte Poética de Hélia Correia




ARTE POÉTICA - HÉLIA CORREIA

Que o poema tenha carne
ossos vísceras destino
que seja pedra e alarme
ou mãos sujas de menino.
Que venha corpo e amante
e de amante seja irmão
que seja urgente e instante
como um instante de pão.



Só assim será poema
só assim terá razão
só assim te vale a pena
passá-lo de mão em mão.



Que seja rua ou ternura
tempestade ou manhã clara
seja arado e aventura
fábrica terra e seara.



Que traga rugas e vinho
berços máquinas luar
que faça um barco de pinho
e deite as armas ao mar.



Só assim será poema
só assim terá razão
só assim te vale a pena
passá-lo de mão em mão.


Hélia Correia

23 de abril de 2014

DOCUMENTÁRIO "AGORA NÓS" DE PEDRO SOARES EM EXIBIÇÃO NA BIBLIOTECA



Um documento imprescindível para compreender os dias de hoje...exemplarmente dirigido por um jovem da nossa localidade. 

Uma manifestação é uma expressão magnífica do poder do povo, uma realização colectiva de afirmação de coragem e de participação concreta e directa, sem pedir a ninguém que nos represente, sem delegar em ninguém que fale por nós.



Agora nós / Our turn (teaser) from Pedro Raimundo Soares on Vimeo.

Convívio de Abril na Biblioteca


Vem e traz um amigo...passa a noite da liberdade na companhia da tua colectividade...

Dia 23 de Abril - Dia Mundial do Livro



"Apenas se deveriam ler os livros que nos picam e que nos mordem. Se o livro que lemos não nos desperta como um murro no crânio, para quê lê-lo?"
Franz Kafka

"Onde quer que livros sejam queimados, os homens serão também, eventualmente, queimados."

Heinrich Heine

Cravos de Abril - 40 Anos- Maria Velho da Costa


Maria Velho da CostaCravo 

«Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui nos cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupas a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.» 


Cravos de Abril - 40 Anos - José Mário Branco



MUDAM-SE OS TEMPOS, 
MUDAM-SE AS VONTADES

José Mário Branco
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
E se tudo o mundo é composto de mudança,
Troquemo-lhes as voltas que ainda o dia é uma criança.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
Mas se tudo o mundo é composto de mudança,
Troquemo-lhes as voltas que ainda o dia é uma criança.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
Mas se tudo o mundo é composto de mudança,
Troquemo-lhes as voltas que ainda o dia é uma criança.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Mas se tudo o mundo é composto de mudança,
Troquemo-lhes as voltas que ainda o dia é uma criança.

22 de abril de 2014

Cravos de Abril - 40 Anos - José Cardoso Pires


«A cidade apareceu ocupada e radiosa. Deparámos com colunas militares inundadas de sol; e povo logo a seguir, muito povo, tanto que não cabia nos olhos, levas de gente saída do branco das trevas, de cinquenta anos de morte e de humilhação, correndo sem saber exactamente para onde mas decerto para a LIBERDADE!

Liberdade, Liberdade, gritava-se em todas as bocas, aquilo crescia, espalhava-se num clamor de alegria cega, imparável, quase doloroso, finalmente a Liberdade!, cada pessoa olhando-se aos milhares em plena rua e não se reconhecendo porque era o fim do terror, o medo tinha acabado, ia com certeza acabar neste dia, neste Abril, Abril de facto, nós só agora é que acreditávamos que estávamos em primavera aberta depois de quarenta e sete anos de mentira, de polícia e ditadura. Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e quatro dias, só agora.»

José Cardoso PiresAlexandra Alpha

20 de abril de 2014

25 ABRIL - 40 ANOS - É URGENTE RESISTIR


Abertura da exposição esta terça feira à noite ... estão todos convidados a participar nesta festa da LIBERDADE 

18 de abril de 2014

Até Sempre Gabo (Gabriel García Márquez)

Recordamos aqui, como homenagem, o emblemático discurso proferido na Academia Sueca.
(O texto encontra-se em Português do Brasil)

La soledad de America latina


Gabriel García Marquez: A Solidão da América Latina
(Estocolmo, Suécia, 8 de dezembro de 1982).


Antonio Pigafetta, um navegante florentino que acompanhou Magalhaes na primeira viagem ao redor do mundo, ao passar pela nossa América meridional escreveu crônica rigorosa que, no entanto, parece uma aventura da imaginação. Contou que havia visto porcos com o umbigo no lombo e uns pássaros sem patas cujas fêmeas usavam as costas dos machos para chocar, e outros como alcatrazes sem língua cujos bicos pareciam uma colher. Contou que havia visto um engendro animal com cabeça e orelhas de mula, corpo de camelo, patas de cervo e relincho de cavalo. Contou que puseram um espelho na frente do primeiro nativo que encontraram na Patagônia e que aquele gigante ensandecido perdeu o uso da razão pelo pavor de sua própria imagem.

Este livro breve e fascinante, no qual já se vislumbram os germes de nossos romances de hoje, está longe de ser o testemunho mais assombroso da nossa realidade daqueles tempos. Os cronistas das Índias nos legaram outros, incontáveis. O Eldorado, nosso país ilusório tão cobiçado, apareceu em numerosos mapas durantes longos anos, mudando de lugar e de forma segundo a fantasia dos cartógrafos. Na procura da fonte da Eterna juventude, o mítico Álvar Núñez Cabeza de Vaca explorou durante oito anos o norte do México numa expedição lunática cujos membros comeram uns aos outros, e dos 600 que começaram só restaram cinco. Um dos tantos mistérios que nunca foram decifrados é o das onze mil mulas carregadas com cem libras de ouro cada uma, que um dia saíram de Cuzco para pagar o resgate de Atahualpa e nunca chegaram ao seu destino. Mais tarde, durante a colônia, em Cartagena das Índias, eram vendidas umas galinhas criadas em terras de aluvião, em cujas moelas apareciam pedrinhas de ouro. Este delírio áureo de nossos fundadores nos perseguiu até há pouco tempo. O século passado, a missão alemã encarregada de estudar a construção de uma estrada de ferro interoceânica no istmo do Panamá concluiu que o projeto era viável, desde que os trilhos não fossem feitos de ferro, que era um metal escasso na região, e sim de ouro. 

A independência do domínio espanhol não nos pôs a salvo da demência. O general Antonio López de Santa Anna, que foi três vezes ditador do México, mandou enterrar com funerais magníficos a perna direita que perdeu na chamada Guerra dos Bolos. O general García Moreno governou o Equador durante 16 anos como um monarca absoluto e seu cadáver foi velado com seu uniforme de gala e sua couraça de condecorações sentado na poltrona presidencial. O general Maximiliano Hernández Martínez, o déspota teósofo de El Salvador que fez exterminar numa matança bárbara 30 mil camponeses, tinha inventado um pêndulo para averiguar se os alimentos estavam envenenados, e mandou cobrir de papel vermelho a iluminação pública para combater uma epidemia de escarlatina. O monumento do general Francisco Morazán, erguido na praça principal de Tegucigalpa, na realidade é uma estátua do marechal Ney, comprada em Paris num depósito de esculturas usadas.

Há onze anos, um dos poetas insignes do nosso tempo,, o chileno Pablo Neruda, iluminou este espaço com sua palavra. Nas boas consciências da Europa, e às vezes também nas más, irrompem desde então, com mais ímpeto que nunca, as notícias fantasmagóricas da América Latina, esta pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas, cuja tenacidade sem fim se confunde com a lenda. Não tivemos um só instante de sossego. Um presidente prometeico, entrincheirado em seu palácio em chamas, morreu lutando sozinho contra um exército inteiro, e dois desastres aéreos suspeitos e nunca esclarecidos, ceifaram a vida de outro coração generoso, e a de um militar democrata que havia restaurado a dignidade de seu povo. Neste lapso houve cinco guerras e 17 golpes de estado, e surgiu um ditador luciferino que em nome de Deus levou adiante o primeiro etnocídio da América Latina em nosso tempo. Enquanto isso, 20 milhões de crianças latino-americanas morrem antes de fazer dois anos, mais do que todas as crianças que nasceram na Europa Ocidental desde 1970. Os desaparecidos pela repressão somam quase 120 mil: é como se hoje ninguém soubesse onde estão os habitantes da cidade de Upsala. Numerosas mulheres presas grávidas deram à luz em cárceres argentinos, mas ainda se ignora o paradeiro e a identidade de seus filhos, que foram dados em adoção clandestina ou internados em orfanatos pelas autoridades militares. Por não querer que as coisas continuassem assim, morreram cerca de duzentas mil mulheres e homens em todo o continente, e mais de cem mil pereceram em três pequenos e voluntariosos países da América Central - Nicarágua, El Salvador e Guatemala. Se fosse nos Estados Unidos, a cifra proporcional seria de um milhão e 600 mil mortes violentas em quatro anos.

Do Chile, país de tradições hospitaleiras, fugiram um milhão de pessoas: dez por cento de sua população. O Uruguai, uma nação minúscula de dois milhões e meio de habitantes, e que era considerado o país mais civilizado do continente, perdeu no desterro um de cada cinco cidadãos. A guerra civil em El Salvador produziu, desde 1979, quase um refugiado a cada 20 minutos. O país que poderia ser feito com todos os exilados e emigrados forçados da América Latina teria uma população mais numerosa que a da Noruega.

Eu me atrevo a pensar que é esta realidade descomunal, e não só a sua expressão literária, que este ano mereceu a atenção da Academia Sueca de Letras. Uma realidade que não é a do papel, mas que vive conosco e determina cada instante de nossas incontáveis mortes cotidianas, e que sustenta um manancial de criação insaciável, pleno de desdita e de beleza, e do qual este colombiano errante e nostálgico não passa de uma cifra assinalada pela sorte. Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e malandros, todos nós, criaturas daquela realidade - desaforada, tivemos que pedir muito pouco à imaginação, porque para nós o maior desafio foi a insuficiência de dos recursos convencionais para tornar nossa vida acreditável. Este é, amigos, o nó da nossa solidão.

Pois se estas dificuldades nos deixam - nós, que somos da sua essência - atordoados, não é difícil entender que os talentos racionais deste ado do mundo, extasiados na contemplação de suas próprias culturas, tenham ficado sem um método válido para nos interpretar. É compreensível que insistam em nos medir com a mesma vara com que se medem, sem recordar que os estragos da vida não são iguais para todos, e que a busca da identidade própria é tão árdua e sangrenta para nós como foi para eles. A interpretação da nossa realidade a partir de esquemas alheios só contribui para tornar-nos cada vez mais desconhecidos, cada vez menos livres, cada vez mais solitários. Talvez a Europa venerável fosse mais compreensiva se tratasse de nos ver em seu próprio passado. Se recordasse que Londres precisou de trezentos anos para construir sua primeira muralha e de outros trezentos para ter um bispo, que Roma se debateu nas trevas da incerteza durante vinte séculos até que um rei etrusco a implantasse na História, e que em pleno século 16 os pacíficos suíços de hoje, que nos deleitam com seus queijos mansos e seus relógios impávidos, ensanguentaram a Europa com seus mercenários. Ainda no apogeu do Renascimento, doze mil lansquenetes a soldo dos exércitos imperiais saquearam e devastaram Roma , e passaram na faca oito mil de seus habitantes.
Não pretendo encarnar as ilusões de Tonio Kröger, cujos sonhos de união entre um norte casto e um apaixonado Thomas Mann exaltava há 53 anos neste mesmo lugar. Mas creio que os europeus de espírito esclarecedor, os que também aqui lutam por uma pátria grande mais humana e mais justa, poderiam ajudar-nos melhor se revisassem a fundo sua maneira de nos ver. A solidariedade com nossos sonhos não nos fará sentir menor solitários enquanto não se concretize com atos de respaldo legítimo aos povos que assumam a esperança de ter uma vida própria na divisão do mundo.

A América Latina não quer nem tem porque ser um peão sem rumo ou decisão, nem tem nada de quimérico que seus desígnios de independência e originalidade se convertam em uma aspiração ocidental.
Não obstante, os progressos da navegação, que reduziram tanto as distâncias entre nossas Américas e a Europa parecem haver aumentado nossa distância cultural. Porque a originalidade que é admitida sem reservas em nossa literatura nos é negada com todo tipo de desconfiança em nossas tentativas tão difíceis de mudança social? Porque pensar que a justiça social que os europeus mais progressistas tratam de impor em seus países não pode ser também um objetivo latino-americano, com métodos distintos e em condições diferentes? Não: a violência e a dor desmedidas da nossa história são o resultado de injustiças seculares e amarguras sem conta, e não uma confabulação urdida há três mil léguas da nossa casa. Mas muitos dirigentes e pensadores europeus acreditaram nisso, com o infantilismo dos avós que esqueceram as loucuras frutíferas de sua juventude, como se não fosse possível outro destino além de viver à mercê dos dois grandes donos do mundo. Este é, amigos, o tamanho da nossa solidão. 

E ainda assim, diante da opressão, do saqueio e do abandono, nossa resposta é a vida. Nem os dilúvios, nem as pestes, nem a fome, nem os cataclismos, nem mesmo as guerras eternas através dos séculos e séculos conseguiram reduzir a vantagem tenaz da vida sobre a morte. Uma vantagem que aumenta e se acelera: a cada ano há 74 milhões de nascimentos a mais que mortes, uma quantidade de novos vivos suficiente para aumentar sete vezes, a cada ano, a população de Nova York. A maioria deles nasce nos países com menos recursos, e entre eles, é claro, os da América Latina. Enquanto isso, os países mais prósperos conseguiram acumular um poder de destruição suficiente para aniquilar cem vezes não apenas todos os seres humanos que existiram até hoje, mas a totalidade de seres vivos que passaram por este planeta de infortúnios. 

Num dia como o de hoje, meu mestre William Faulkner disse neste mesmo lugar: “Eu me nego a admitir o fim do homem”. Não me sentiria digno de ocupar este lugar que foi dele se não tivesse a consciência plena de que, pela primeira vez desde as origens da humanidade, o desastre colossal que ele se negava a admitir há 32 anos é, hoje, nada mais que uma simples possibilidade científica. Diante desta realidade assombrosa, que através de todo o tempo humano deve ter parecido uma utopia, nós, os inventores de fábulas que acreditamos em tudo, nos sentimos no direito de acreditar que ainda não é demasiado tarde para nos lançarmos na criação da utopia contrária. Uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros até mesmo a forma de morrer, onde de verdade seja certo o amor e seja possível a felicidade, e onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham, enfim e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra.

Cravos de Abril - 40 Anos - Presos em Vésperas de Revolução



Fez agora 40 anos. Na madrugada de 18 de abril de 1974, em jeito de antecipação ao 1º de maio, a DGS, a polícia política da ditadura, efetuou cerca de trinta detenções de activistas da oposição, a maior parte pertencente ao sector intelectual do clandestino PCP. O Expresso convidou alguns dos últimos presos políticos do Estado Novo a regressar ao forte de Caxias, 40 anos depois.

Reportagem completa no Link:


http://expresso.sapo.pt/especiais/Presos_Em_Vesperas_De_Revolucao/index.html#sthash.bi0KBxO6.KwhX5zzI.dpuf

Há 40 anos, Fernando e Rosa Penim Redondo tinham ligações ao PCP e trabalhavam no IBM. Fernando foi preso primeiro e garante que nunca mais se esqueceu do ruído das portas a fecharem-se atrás dele nesse mesmo dia. Ficaram em celas separadas. Ao revisitarem Caxias pela primeira vez, Rosa sentiu que ganharam a quem os colocou lá. - See more at: http://expresso.sapo.pt/especiais/Presos_Em_Vesperas_De_Revolucao/index.html#sthash.bi0KBxO6.KwhX5zzI.dpuf


17 de abril de 2014

Novidade nas livrarias - Os Burgueses de Francisco Louçã, João T. Lopes e Jorge Costa


No seguimento de "Os Donos de Portugal" e "Os Donos Angolanos de Portugal", Francisco Louçã, João Teixeira Lopes e Jorge Costa Os Burgueses oferece-nos a caracterização de alguns dos elementos mais marcantes para a hereditariedade vida da burguesia portuguesa no séc. XX e nos nossos dias, tocando em pontos como o consumo, a educação ou as escolas e explorando a mecânica da pertença e da transmissão da condição de burguês.Um retrato direto, concreto e muitíssimo bem fundamentado da classe detentora do poder e da influência em Portugal do século XXI.

“Os Burgueses” corresponde a um trabalho de investigação de dois anos, que mobilizou uma equipa mais ampla que os três autores, com destaque para os jovens investigadores Nuno Moniz e Adriano Campos, que trabalharam na base de dados de ministros e secretários de Estado, e as suas ligações com os negócios e as empresas.
A primeira parte da obra incide sobre a construção do poder social da burguesia portuguesa, sobretudo nas últimas décadas. Inclui o estudo inédito dos percursos dos 776 membros de todos os governos constitucionais e da sua cooptação pelas principais empresas financeiras, do PSI20 e das parcerias público-privadas.
A segunda parte estuda a vida social deste milhar de pessoas que constitui o núcleo da classe dominante e que ocupa os lugares fundamentais de poder: onde moram, as escolas que frequentam, os seus casamentos e alguns dos seus luxos.
A terceira parte procura responder a uma nova pergunta sobre esta relação de poder. Se de um lado estão os 99% e do outros os 1%, porque são estes que mandam? O livro parte da expansão das máquinas de produção de senso comum para uma teoria do poder. Publicidade, telenovelas, discursos das autoridades e de telejornal, concursos, livros infantis, homilias, literatura kitsh, exames de faculdade - esta análise inclui todas estas formas de criação de mitos e geração de desejo e representação que sustentam a hegemonia burguesa.
A obra em papel complementa-se com o site Os Burgueses, onde estão disponíveis documentos, elementos gráficos, bases de dados, resumo dos capítulos e outros materiais deste estudo.

Cravos de Abril - 40 Anos - "P'ró que der e vier" Fausto Bordalo Dias



Tenho a cabeça espetada 
entre a noite e a madrugada. 
Tenho um braço deitado 
entre o perfeito e o enjeitado. 
E um canhão apontado 
para qualquer lado enfeudado. 
Venha lá quem quiser 
estou p´ró que der e vier. 

De manhã mal acordado, 
de noite pouco ensonado. 
Para a aventura que teço 
encontro os dias do avesso. 
Na terra do perder Deus é dinheiro 
Diabo é não o ter. 
Seja homem ou mulher 
estou p´ró que der e vier. 

Dia a dia num aperto 
que mais parece um deserto. 
No descalabro do medo 
mal se levanta um dedo. 
Aconteça o que acontecer 
não temos nada a perder, 
dê no que vier a dar 
assim não podemos ficar. 

Hei-de ser a barricada, 
arma, fogo, despedida. 
Hei-de ser ferro forjado, 
dia e noite amor calado. 
Hei-de ser punho cerrado 
e ternura docemente 
e haja lá o que houver 
estou p´ró que der e vier.

15 de abril de 2014

Cravos de Abril - 40 Anos - Por Teu Livre Pensamento de João Pina, Rui Daniel Galiza

O livro Por Teu Livre Pensamento é o resultado de 25 entrevistas efectuadas a igual número de ex--presos políticos, que pela sua acção de luta contra o Estado Novo e em prol da implementação da Democracia em Portugal, viveram experiências de privação de liberdade e maus tratos nas prisões do fascismo.
Uma das lamentações que os nossos entrevistados mais transmitiram foi o facto de, na sua opinião, Portugal ser 'um país sem memória'. Se com este modesto contributo conseguirmos dar um pouco a conhecer o que era viver no Portugal de há poucos anos atrás, e lutar pela sua transformação num país melhor, a nossa tarefa está cumprida. Rui Daniel Galiza - Textos
Exactamente um ano, um mês e um dia antes de a 'Grândola Vila Morena' passar no Rádio Clube Português e os militares saírem à rua, morreu uma pessoa que marcou a minha vida, apesar de nunca o ter conhecido pessoalmente: o meu avô materno, Guilherme da Costa Carvalho. Ele foi o protagonista de várias histórias que ouvi, todas elas recheadas de detalhes das suas peripécias – as fugas de Peniche e Caxias, o paludismo que apanhou no Tarrafal, onde passou períodos na 'Frigideira'. João Pina – Fotografia


Miles Davis - Walkin'





Meu Samba é Assim - Marcelo D2


Um momento para descontrair... e dançar 


Quem é que mistura o rap com samba?
Eu disse samba (samba)
E pega um Dj (Dj) e um tamborim (tamborim)
Então vem comigo

Meu samba é assim
E tá bom pra mim
Dois toca-discos e um tamborim
A calça é larga, o boné pro lado,
4 por 4
Mais sincopado

Aperta o play, aumenta o som
E joga na seda aquele do bom
No batidão, chora cuíca
Erros e acertos parceiro, coisas da vida
Mas quem diria? Que engraçado, hein!
Foi pra cadeia e agora bomba no rádio

MD2 de novo, a voz do povo
Do tiozinho mais velho ao moleque mais novo
Trago cultura de um jeito simples
Corpo fechado que não aceita revide
Você não sabe o que é que rola parceiro?
Te conto!
Só um tempinho pra mim, tô pronto!

Se eu canto rap é que meu samba não vai parar
Se eu canto samba é que o meu rap agora tá lá
Não adianta que o meu rap não vai parar
Vamo que vamo que o som não pode parar (2x)

Meu samba é assim
Chega e fortalece a corrente
Vagabundo corre atrás porque eu já tô lá na frente
Meu samba é assim
Luto por toda a minha gente
Tá ligado? RJ, tipo linha de frente

Meu Samba é assim
Tá bom pra mim
Dois toca-discos e um tamborim
A calça é larga, o boné pro lado,
4 por 4
Mais sincopado

O canetão rodou o mundo
Assinatura (iiiiiii) tá lá no muro
Se eu quero fama? Não!
Pergunte assim:
O que é que é o samba?
Meu samba é assim

Minha camisa é Manifesto 33 1/3
Quem tem estilo reconhece que já vem de berço
É força e branco
fica no talento condins
São as coisas simples da vida
Que me fazem feliz

Se eu canto rap é que meu samba não vai parar
Se eu canto samba é que o meu rap agora tá lá
Não adianta que o meu rap não vai parar
Vamo que vamo que o som não pode parar (2x)

(Quero ver quebrar assim)
Meu Samba é assim
Tá bom pra mim
Dois toca-discos e um tamborim
A calça é larga, o boné pro lado,
4 por 4
Mais sincopado

Quem tem os beats e sabe o que faz
Bota a mulhereda sambando e pedindo mais
Me lembro muito bem de ouvindo João Nogueira
De um rap junto com samba
Lá na quadra da Mangueira
Do samba de primeira esquentando os tamborins

Meu som é assim
Minha cara é assim
Minha voz é assim
Eu sou assim
E se quiser gostar mim, aê
Meu samba é assim

(Pra mim, pra mim
O samba é bom
quando é cantado assim).

14 de abril de 2014

O 25 de Abril na Casa da Achada

- O 25 DE ABRIL AO AR LIVRE: São 20 painéis em tela com textos e imagens sobre o que mudou com o 25 de Abril a partir de um texto de João Martins Pereira: «… esses dois anos terão sido para muitos (para eles-próprios, mas sobretudo para uns milhões de trabalhadores da cidade e do campo, de “deserdados”, de explorados, de moradores de bairros de lata, de velhos e novos, homens e mulheres) os dois únicos anos da sua vida — até ver — em que agiram, comunicaram, participaram, decidiram, enfim intensamente viveram. Estariam eles materialmente melhor se não tem havido esses excessos e desvarios? Tudo leva a crer que não.»

Cravos de Abril - 40 Anos - "Fado de Peniche" Amália Rodrigues


«Logo em ’62, o Abandono, que David [Mourão Ferreira] escreveu para Amália, foi apelidado por muita gente de Fado Peniche, tão evidentes eram as referências ao famigerado forte-prisão.»

Por teu livre pensamento
Foram-te longe encerrar.
Tão longe que o meu lamento
Não te consegue alcançar.
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar.

Levaram-te, a meio da noite:
A treva tudo cobria.
Foi de noite, numa noite
De todas a mais sombria.
Foi de noite, foi de noite,
E nunca mais se fez dia.

Ai! Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar.
Oiço apenas o silêncio
Que ficou em teu lugar.
E ao menos ouves o vento
E ao menos ouves o mar



11 de abril de 2014

Louis Armstrong plays W.C. Handy


Um momento musical para eternizar... Um clássico absoluto que se confunde com a História do Jazz

Cravos de Abril - 40 Anos - Os 'Últimos Presos do Estado Novo" de Joana Pereira Bastos

Trata-se de uma obra baseada em entrevistas a algumas pessoas que estavam presas no forte de Caxias em 25 de Abril de 1974. Durante os 48 anos de ditadura, a PIDE deteve mais de 15 mil pessoas e este é o testemunho de alguns dos últimos presos políticos que sofreram na pele a brutalidade da PIDE enquanto, lá fora, a revolução era preparada. 

Confira abaixo a sinopse de Os Últimos Presos do Estado Novo
Depois de uma curta «Primavera Marcelista», o País assistiu a uma escalada da violência contra todos os portugueses que enfrentavam a ditadura. Entre 1973 e 1974, mais de 500 pessoas, pertencentes a vários movimentos políticos e oriundas de diferentes classes sociais, foram presas e violentados pela PIDE.

No forte de Caxias, muitas eram sujeitas às mais sofisticadas e brutais formas de tortura, ensinadas através de um manual entregue pela CIA à polícia política portuguesa, enquanto lá fora se preparava a revolução de 25 de Abril.

Depois de meses de sofrimento, os homens e mulheres detidos em Caxias enfrentaram momentos de angústia e incerteza quando souberam que houvera um golpe militar - seria um golpe da esquerda ou, tal como acontecera no Chile, da direita mais radical? Atrás das grades, os prisioneiros enfrentaram essa dúvida durante horas a fio. Sofrendo até ao fim, os últimos presos políticos do Estado Novo só conheceram a liberdade na madrugada de 27 de Abril de 1974 - dois dias depois da revolução que pôs termo a 48 anos de ditadura.



10 de abril de 2014

Cravos de Abril - 40 Anos - Filme: Cenas da Luta de Classes


Quando em 1975, Robert Kramer esteve em Portugal, encontrou um país em ebulição. De câmara em punho andou, de norte a sul, a registar as peças de um “puzzle” que se construía a cada segundo. Cenas de uma luta de classes que estava, de facto, a acontecer. O povo de um lado, a tentar conquistar para si o poder, livrando-se da opressão dos ricos e poderosos. Do outro lado, a burguesia apoiada no dinheiro e nos apoios internacionais, cozinhando a contra-ofensiva. Da reforma agrária, à colectivização das forças de produção. Do esforço do exército na formação democrática e de organização do povo, às forças revolucionárias dispostas a lutar em nome da vontade do povo. Um pedaço da história de Portugal tão importante como aquele – mais romântico – ocorrido naquele dia 25 de Abril. Uma oportunidade para mergulhar nos sentimentos da época e compreender, 40 anos depois, o que é feito da revolução. / Cláudio Braga




A Leitura e o Futuro - uma crónica de Rui Bebiano

A leitura e o futuro

Imagem de Andrew Hefter
IMAGEM DE ANDREW HEFTER
«Enquanto houver livros para ler sei que não terei um momento aborrecido na vida. Só isto basta para lhes dever muito.» Com esta frase, com a qual rematou uma crónica recente sobre livros e livrarias, José Pacheco Pereira lembrou uma atitude que, apesar de viver uma fase de recuo, continua a marcar profundamente a experiência coletiva e a de muitos de nós. Refiro-me à prática da leitura como momento de enriquecimento pessoal, enquanto fator de conhecimento e de prazer, mas também ao seu uso como instrumento de liberdade, devido à capacidade que oferece para treinar a imaginação, abrir possibilidades e ajudar a construir uma consciência crítica do mundo.
Abordo-a aqui na perspetiva da minha própria experiência, pois tem sido esta a atitude, e esta a paixão, que há mais de trinta anos tenho a cada dia procurado transmitir a quem me vai ouvindo em aulas e seminários de uma faculdade de humanidades. As contas que faço por alto apontam para umas 20.000 pessoas, todas elas, sempre o presumi pela escolha que haviam feito, potenciais leitores. Durante muito tempo, acredito, com um volume apreciável de bons ou de razoáveis resultados. E com alguns maus também, como é inevitável. Mas principalmente com muitos que jamais conhecerei, pois cada um desses ouvintes seguiu o seu caminho na presença das leituras que decidiu fazer ou na ausência daquelas que ignorou.
O drama presente consiste em perceber que, em função de mudanças estruturais em curso, o número dos alunos que escapam claramente a essa aproximação à arte e à aventura de ler tem vindo a aumentar. Refiro-me àqueles, atualmente em larga percentagem, que não folheiam senão péssimos apontamentos emprestados, para quem este tipo de proposta resulta incompreensível e que percorrem os seus anos de formação superior sem lerem um livro ou mesmo sem frequentarem bibliotecas. Para estes, é difícil falar dos mundos de saber que desbaratam, das viagens únicas que jamais farão, dos pedaços de vida que abandonam sem remorso ou sequer um olhar. Porque não ouvem. Porque preferem viver fechados nos seus pequenos mundos sem passado ou futuro. Porque lhes dizem todos os dias, agora até os governantes o fazem, que é uma perda de tempo interessarem-se por «coisas pouco práticas». «Ler por prazer é mal visto», dizia aliás o filósofo espanhol Fernando Savater em entrevista recente, ao falar deste recuo social da leitura, particularmente notório, e grave porque sempre foi este o lugar matricial da arte de ler, nos ambientes universitários de muitas cidades europeias.
Naturalmente, olhar esta realidade não significa a assunção de uma derrota. No plano pessoal, sempre fui paciente e nada inclinado a aceitar a inevitabilidade da desgraça. E sei que existe, entre a atual população universitária, gente que não vive essa queda sem rede no desinteresse e no obscurantismo. Ainda que, provisoriamente quero acreditar, ela possa constituir neste momento uma minoria. Mas senta-se ainda, de olhos abertos e espírito ávido, nas salas e nos anfiteatros. Reconhece, ou procura por conta própria, os infinitos mundos que se desdobram à sua frente. Nela mora a esperança, pois o futuro jamais virá da ignorância e do desinteresse. E além disso, as palavras foram de Pablo Picasso, «tudo o que podermos imaginar é real».
Versão da crónica publicada no Diário As Beiras.

9 de abril de 2014

Discurso de Alexandra Lucas Coelho Premiada com o prémio da APE pelo livro “E a Noite Roda”

Leia aqui no blogue o discurso de agradecimento de  Alexandra Lucas Coelho... um documento notável...  
E A Noite Roda
Boa tarde a todos,
Quero agradecer em primeiro lugar à equipa da tinta-da-china, minha casa,Bárbara BulhosaInês Hugon, Vera Tavares, Madalena Alfaia, Rute Dias,Pedro Serpa.
Agradeço em seguida ao júri que atribuiu este prémio: Manuel Gusmão, Luís Mourão, Clara Rocha, Ana Marques Gastão e Isabel Cristina Rodrigues, a quem coube hoje ser porta-voz, com uma apresentação cuidada e surpreendente de “E a Noite Roda”. Não conheço pessoalmente a maioria dos jurados. Ter-me ei cruzado um par de vezes com Ana Marques Gastão e entrevistei há uns 13 anos Manuel Gusmão. Sendo uma honra a decisão deste júri, a presença nele de um poeta que tanto admiro, e trago comigo, é uma alegria. Isto, para usar a palavra que mais associo a Manuel Gusmão, num daqueles versos que se tornam língua geral, lugar comum a todos, contra todas as evidências em contrário.
Não chega dizer que foi uma surpresa a atribuição do prémio. Começou por ser uma grande surpresa a nomeação, que aconteceu pouco depois de outra: para o prémio do PEN. “E a Noite Roda” não tinha sido dos meus livros mais bem recebidos pela crítica, nem mais vendidos. Passara um ano e meio sobre a publicação, já nem se encontrava nas livrarias. Eu estava ocupada com a saída de um novo livro, “Vai Brasil”, e a organizar-me para retomar a escrita de um novo romance, situado no Rio de Janeiro. Se a nomeação para o PEN já me espantara, a do APE pareceu-me quase inverosímil. Para mais, o naipe de finalistas era não menos que excelente: um dos grandes prosadores da língua portuguesa, Mário de Carvalho; dois autores próximos da minha geração que sigo com respeito, Patrícia Portela e Afonso Cruz; e um poeta, dramaturgo e novelista que é dos meus mais queridos amigos, Jaime Rocha. Fico muito contente por ele estar aqui hoje. Fosse eu a decidir, o prémio seria dele, e da sua novela “A Rapariga Sem Carne”. Foi isso que senti ao saber da nomeação.
Semanas depois, estava eu sentada no carro da minha editora, Bárbara Bulhosa, quando me ligam da APE a anunciar a decisão do júri. Pânico, seguido de alerta: está a brincar comigo, certo?, perguntei ao cavalheiro do outro lado da linha, que se apresentara como José Correia Tavares, presidente do júri sem direito a voto. Ele assegurava que não e dava detalhes, que o júri se reunira três vezes, que a decisão fora por unanimidade, e por aí fora até que eu já não estava a ouvir porque só pensava que aquilo não podia ser a sério. E nos momentos em que acreditava que era, voltava o pânico: aquilo não me podia estar a acontecer. Como assim o prémio APE para este romance: um primeiro romance e este romance?
Antes que eu começasse a explicar ao interlocutor que estava enganado, a Bárbara decidiu intervir, dando-me ordens em surdina: que aceitasse, que agradecesse, muito obrigada. E subimos para um consultório, que era ao que íamos, acabando com a paz da recepcionista, porta-dentro, porta-fora, mal começaram os telefonemas.
Recentemente, a tinta-da-china fez uma edição de bolso de “E a Noite Roda”, de que gosto mais do que a primeira, como objecto. Gosto do tamanho, dos cantos redondos, da capa mole. É maneira, como dizem os brasileiros. Mas nem a folheei, custa-me olhar para o texto. Na tinta-da-china, a Inês Hugon e a Madalena Alfaia, que com uma paciência oriental asseguram as revisões, sabem como por mim ficava a cortar provas até à décima, porque mal entrego o livro já não o posso ver, tudo me parece mal, as bengalas, os tiques, o excesso.
Sendo a minha primeira experiência de romance, sinto essa distância de hoje em relação ao texto de “E a Noite Roda” mais do que em relação a qualquer outro livro meu, talvez porque nos outros a linguagem esteja mais estabilizada num território com regras.
O que me interessa no romance não é o género, mas a ausência de género. Não é poesia e pode ser poesia, não é reportagem e pode ser reportagem, não é viagem e pode ser viagem, não é teatro, cinema, música, arquitectura, agricultura, cosmogonia, correspondência, folhetim, banda desenhada, arquivo, e pode ser tudo isso. Um romance é a liberdade em extensão. Um território de experimentação com um fôlego considerável, que ninguém conseguiu ainda circunscrever além disto: prosa, criativa, de extensão longa, escrita para ser lida.
Uso a palavra romance, não uso a palavra ficção. Tenho dito e repetido — porque a um jornalista que escreva romances pergunta-se isso continuamente — que o que distingue o jornalismo e a literatura não é um ser real e a outra ficção, mas sim um ser um campo sujeito a regras estabelecidas e a outra, idealmente, inventar as suas próprias regras.
Uso a palavra romance, não uso a palavra ficção. Tenho dito e repetido — porque a um jornalista que escreva romances pergunta-se isso continuamente — que o que distingue o jornalismo e a literatura não é um ser real e a outra ficção, mas sim um ser um campo sujeito a regras estabelecidas e a outra, idealmente, inventar as suas próprias regras.
Por isso, interessa-me pouco o debate sobre o que neste romance ainda é jornalismo ou já é romance, ainda é real ou já é ficção, como se houvesse uma espécie de grau de pureza, que é sempre o princípio de um pensamento autoritário. Ninguém ainda se tornou dono do que é, ou não chega a ser, um romance, e é por isso que continua a ser interessante fazer romances, e que cada um faça o seu. Na verdade, neste campo, quanto à criação, não há outro lema em que me reconheça tanto: que cada um faça a sua coisa. Faça o que tem a fazer, contra tudo, contra todos: crime e castigo, doença e cura, transmigração da alma ou biografia derradeira.
O que me levou a fazer este romance? O que o distinguia dos livros anteriores? A possibilidade de um território sem regras para o qual eu transportasse vários materiais biográficos: amorosos, políticos, sociais, profissionais. O texto agora entregue a si mesmo, inventando as suas regras, é que estabeleceria a transição para o romance. Um não-género fazendo uso de vários géneros, incluindo a reportagem.
Jerusalém era uma coisa minha, Gaza era uma coisa minha, a experiência de cobrir o conflito israelo-palestiniano era uma coisa minha, eu queria transportá-los para o campo literário porque me interessa transportar para o campo literário tudo o que a experiência tenha tornado coisa minha. Dito de outra forma, aquilo que é a identidade em movimento.
Não é diferente do que fará um médico que escreva romances (ou um arquitecto, um historiador de arte, um diplomata, um advogado, um professor, um burocrata), sempre com menos explicações do que as que são cobradas a um jornalista. Nunca começarei a entender porque se estranha que alguém cujo trabalho é escrever decida escrever outras coisas.
“E a Noite Roda” não é sequer o melhor romance que eu podia ter escrito entre 2010 e 2011, os meus últimos meses em Portugal e o meu primeiro ano no Brasil. Não foi, certamente, o que muita gente achava que eu devia ter feito. É apenas o que eu precisava de fazer naquele momento para sair do ponto em que estava. O importante não será fazer o melhor que sabemos, mas o que precisamos de fazer, mesmo não sabendo, para sair do nosso limite. Aquilo que nos desloca se estamos fixos, que nos fixa se estamos deslocados.
Recentemente, numa entrevista, perguntaram-me quem gostaria eu que escrevesse a minha biografia. É uma daquelas perguntas a que só podemos responder desabridamente. Respondi que esperava que as personagens tratassem do assunto e não sobrasse nada. Penso nisso como uma espécie de teia de Penélope em que o autor se vai construindo nos livros ao mesmo tempo que desaparece na vida.
Tudo o que faço é biografia, idealmente cada vez mais real, independentemente de as personagens tomarem as minhas circunstâncias, como acontece em “E a Noite Roda”, ou não tomarem de todo, como acontece no romance que estou a escrever. Ninguém pergunta a um poeta se o que está no poema é real ou ficção. Aquilo é o que é, é dentro da cabeça dele.
O que cada um vive é seu património inalienável, seu único real património, e é seu direito fazer disso o que quiser, na intersecção com os outros e o mundo, tendo como único limite, para mim, não devassar o património de um outro, de forma reconhecível publicamente.
De resto, o criador não deve conhecer limites e quanto mais escuro, mais difícil e mais indevassado melhor. Aquilo que não se pode escrever é o que há a escrever, é o que falta. Não estamos cá para nos repetirmos nem para nos pouparmos. Pouparmo-nos para quê? Não acredito na vida além da vida.
Sempre quis escrever, desde que me lembro. Os livros tinham todas as vidas. Passei a adolescência a ler romances. Lia os portugueses, os franceses, os ingleses, os russos, os alemães, mais tarde os americanos, os japoneseses, os levantinos. O mundo não acabava, eu lia e queria sair pelo mundo.
Sempre quis escrever, desde que me lembro. Os livros tinham todas as vidas. Passei a adolescência a ler romances. Lia os portugueses, os franceses, os ingleses, os russos, os alemães, mais tarde os americanos, os japoneseses, os levantinos. O mundo não acabava, eu lia e queria sair pelo mundo. O jornalismo era a possibilidade disso, uma bela possibilidade quando eu tinha 17 anos e as rádios piratas explodiam, ainda nem havia TSF, nem Público, nem telemóveis, nem computadores pessoais. A minha geração viveu essa promessa de aventura no trabalho, que hoje parece arqueológica.
Só fui ler poesia compulsivamente depois dos 20. E a poesia, como a rádio, mudou, moldou, a minha relação com a escrita. Questão de som, de ritmo, mas também de montagem, de elipse. Não que escrever poemas fosse a minha coisa, tentei, não era. Ler poemas, sim, seria parte do que eu tinha para escrever.
Sempre achei que seria uma questão de tempo começar a fazer livros, e acabei por publicar o primeiro aos 39 anos. Como seria uma questão de tempo o romance chegar. Não há abandono de uma coisa por outra, não deixei de ter na cabeça livros de viagem, reportagem ou crónica, entre os vários romances que quero fazer. É o jardim dos caminhos que se bifurcam, para citar um daqueles autores que sempre admirei à distância, porque Borges é de outra galáxia, de um mundo, digamos, não-carnal. Sou mais do lado Moby Dick, até ao trespassar da última carne, a do caçador. Moby Dick agora sem género, ou transgénero. Moby Dick-Orlando, homem e mulher, humano e animal, deus e demónio. Um Moby Dick antropofágico, depois de ter morado no Brasil.
Não me interessa a fuga, interessa-me o confronto, o embate, o arpão no corpo que sempre fugirá. Chamemos-lhe Moby Dick — ou amor — ou real. A vida verdadeira que é estar aqui a desejar além. A pulsão da guerra, qualquer espécie de guerra, é a sobrevida: vida conquistada à morte.
Nenhuma arte é panfleto, se é panfleto não era arte. Ao mesmo tempo, toda a arte é política, no sentido em que não existe sem um outro, que pode ser apenas um. O determinante não é que sejam muitos mas que exista uma relação. Que algo actue entre um e outro.
Este livro é político, como todos os que fiz, como tudo o que faço, pelo simples facto de me pôr em relação com outros. Estar aqui hoje é político, falar em público é político. Onde há um colectivo há política.
O meu feitio seria mais não estar, mas encaro isto como parte de um trabalho que aceitei fazer desde que comecei a publicar, por acreditar que podia, devia, contribuir para os livros chegarem a mais alguém, respeitando eu tanto quem se recusa a fazer isso como quem o faz, por razões que são de cada um e de mais ninguém.
A minha opção é política, digamos. Uma forma de participação, de agir além da militância partidária. A militância não é a minha coisa, ainda bem que é a coisa de pessoas que admiro, entre os quais conto amigos. A minha coisa é escrever, falar dos livros, conseguir fazer disso uma acção.
A minha opção é política, digamos. Uma forma de participação, de agir além da militância partidária. A militância não é a minha coisa, ainda bem que é a coisa de pessoas que admiro, entre os quais conto amigos. A minha coisa é escrever, falar dos livros, conseguir fazer disso uma acção.
Estou a voltar de três anos e meio a morar no Brasil. Um dia, a meio dessa estadia brasileira, pediram-me que gravasse um excerto de um conto de Clarice Lispector para o site do Instituto Moreira Salles. Era um conto em que a protagonista era portuguesa, daí o pedido, que a voz coincidisse com o sotaque. Como detestei aquela portuguesa do conto da Clarice. Tudo na boca dela era inho e ito. Era o Portugal dos Pequenitos com a nostalgia das grandezas. Aquele que diz “cá vamos andando com a cabeça entre as orelhas” mas sofre de ressentimento. O Portugal que durante 40 anos Salazar achou que era seu, pobre mas honesto-limpo-obediante, como agora o governo no poder quer Portugal, porque acha que Portugal é seu.
Estou a voltar a Portugal 40 anos depois do 25 de Abril, do fim da guerra infame, do ridículo império. Já é mau um governo achar que o país é seu, quanto mais que os países dos outros são seus. Todos os impérios são ridículos na medida em que a ilusão de dominar outro é sempre ridícula, antes de se tornar progressivamente criminosa.
Entre as razões porque quis morar no Brasil houve isso: querer experimentar a herança do colonialismo português depois de ter passado tantos anos a cobrir as heranças do colonialismo dos outros, otomanos, ingleses, franceses, espanhóis ou russos.
E volto para morar no Alentejo, com a alegria de daqui a nada serem os 40 anos da mais bela revolução do meu século XX, e do Alentejo ter sido uma espécie de terra em transe dessa revolução, impossível como todas.
Este prémio é tradicionalmente entregue pelo Presidente da República, cargo agora ocupado por um político, Cavaco Silva, que há 30 anos representa tudo o que associo mais ao salazarismo do que ao 25 de Abril, a começar por essa vil tristeza dos obedientes que dentro de si recalcam um império perdido.
Este prémio é tradicionalmente entregue pelo Presidente da República, cargo agora ocupado por um político, Cavaco Silva, que há 30 anos representa tudo o que associo mais ao salazarismo do que ao 25 de Abril, a começar por essa vil tristeza dos obedientes que dentro de si recalcam um império perdido.
E fogem ao cara-cara, mantêm-se pela calada. Nada estranho, pois, que este presidente se faça representar na entrega de um prémio literário. Este mundo não é do seu reino. Estamos no mesmo país, mas o meu país não é o seu país. No país que tenho na cabeça não se anda com a cabeça entre as orelhas, “e cá vamos indo, se deus quiser”.
Não sou crente, portanto acho que depende de nós mais do que irmos indo, sempre acima das nossas possibilidades para o tecto ficar mais alto em vez de mais baixo, Para claustrofobia já nos basta estarmos vivos, sermos seres para a morte, que somos, que somos.
Partimos então do zero, sabendo que chegaremos a zero, e pelo meio tudo é ganho porque só a perda é certa.
O meu país não é do orgulhosamente só. Não sei o que seja amar a pátria. Sei que amar Portugal é voltar do mundo e descer ao Alentejo, com o prazer de poder estar ali porque se quer. Amar Portugal é estar em Portugal porque se quer. Poder estar em Portugal apesar de o governo nos mandar embora. Contrariar quem nos manda embora como se fosse senhor da casa.
Eu gostava de dizer ao actual Presidente da República, aqui representado hoje, que este país não é seu, nem do governo do seu partido. É do arquitecto Álvaro Siza, do cientista Sobrinho Simões, do ensaísta Eugénio Lisboa, de todas as vozes que me foram chegando, ao longo destes anos no Brasil, dando conta do pesadelo que o governo de Portugal se tornou: Siza dizendo que há a sensação de viver de novo em ditadura, Sobrinho Simões dizendo que este governo rebentou com tudo o que fora construído na investigação, Eugénio Lisboa, aos 82 anos, falando da “total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página”.
Este país é dos bolseiros da FCT que viram tudo interrompido; dos milhões de desempregados ou trabalhadores precários; dos novos emigrantes que vi chegarem ao Brasil, a mais bem formada geração de sempre, para darem tudo a outro país; dos muitos leitores que me foram escrevendo nestes três anos e meio de Brasil a perguntar que conselhos podia eu dar ao filho, à filha, ao amigo, que pensavam emigrar.
Eu estava no Brasil, para onde ninguém me tinha mandado, quando um membro do seu governo disse aquela coisa escandalosa, pois que os professores emigrassem. Ir para o mundo por nossa vontade é tão essencial como não ir para o mundo porque não temos alternativa.
Este país é de todos esses, os que partem porque querem, os que partem porque aqui se sentem a morrer, e levam um país melhor com eles, forte, bonito, inventivo. Conheci-os, estão lá no Rio de Janeiro, a fazerem mais pela imagem de Portugal, mais pela relação Portugal-Brasil, do que qualquer discurso oco dos políticos que neste momento nos governam. Contra o cliché do português, o português do inho e do ito, o Portugal do apoucamento. Estão lá, revirando a história do avesso, contra todo o mal que ela deixou, desde a colonização, da escravatura.
Este país é do Changuito, que em 2008 fundou uma livraria de poesia em Lisboa, e depois a levou para o Rio de Janeiro sem qualquer ajuda pública, e acartou 7000 livros, uma tonelada, para um 11º andar, que era o que dava para pagar de aluguer, e depois os acartou de volta para casa, por tudo ter ficado demasiado caro. Este país é dele, que nunca se sentaria na mesma sala que o actual presidente da República.
E é de quem faz arte apesar do mercado, de quem luta para que haja cinema, de quem não cruzou os braços quando o governo no poder estava a acabar com o cinema em Portugal. Eu ouvi realizadores e produtores portugueses numa conferência de imprensa no Festival do Rio de Janeiro contarem aos jornalistas presentes como 2012 ia ser o ano sem cinema em Portugal. Eu fui vendo, à distância, autores, escritores, artistas sem dinheiro para pagarem dividas à segurança social, luz, água, renda de casa. E tanta gente esquecida. E ainda assim, de cada vez que eu chegava, Lisboa parecia-me pujante, as pessoas juntavam-se, inventavam, aos altos e baixos.
Não devo nada ao governo português no poder. Mas devo muito aos poetas, aos agricultores, ao Rui Horta que levou o mundo para Montemor-o-Novo, à Bárbara Bulhosa que fez a editora em que todos nós, seus autores, queremos estar, em cumplicidade e entrega, num mercado cada vez mais hostil, com margens canibais.
Os actuais governantes podem achar que o trabalho deles não é ouvir isto, mas o trabalho deles não é outro se não ouvir isto. Foi para ouvir isto, o que as pessoas têm a dizer, que foram eleitos, embora não por mim. Cargo público não é prémio, é compromisso.
Portugal talvez não viva 100 anos, talvez o planeta não viva 100 anos, tudo corre para acabar, sabemos, Mas enquanto isso estamos vivos, não somos sobreviventes.
Este romance também é sobre Gaza. Quando me falam no terrorismo palestiniano confundindo tudo, Al Qaeda e Resistência pela nossa casa, pela terra dos nossos antepassados, pelo direito a estarmos vivos, eu pergunto o que faria se tivesse filhos e vivesse em 40 km por seis a dez de largura, e antes de mim os meus antecedentes, e depois mim os meus filhos, sem fim à vista. Partilhei com os meus amigos em Gaza bombardeamentos, faltas de água, de luz, de provisões, os pesadelos das meninas à noite. Depois de eu partir a vida deles continuou. E continua enquanto aqui estamos. Mais um dia roubado à morte.